Diário do Dedé



Quilombo Umarizal – Baião – PA  24\08
Já ultrapassamos os três meses de viagem pelo grande rio. Como ele corre nossas vidas: sem parar. Já não somos mais os mesmos que partimos da casa do Zezinho,  Kalunga do vão de almas no Brasil central. Aí fora o mundo deve ter girado mais rápido, nosso tempo é o do rio e o que se passa em suas margens á velocidade em que conseguimos remar. Agora estamos na floresta e como o rio sigo as curvas de minha vida. A treze anos atrás, quando tinha por volta de 20 anos de idade, a Amazonia fascinava minha mente juvenil, o sonho da aventura e do desconhecido da floresta preenchia um imaginário fortalecido por livros como a jangada de Julio Verne, o Paraíso Perdido de Euclides da Cunha e relatos e histórias sobre a vida dos irmão Vilas Boas. Foi então resolvemos empreitar uma subida pro norte e conhecer a floresta. Seguimos de carona, saindo do Ceasa de Sete lagoas rumo a Belém do PA. O caminho foi longo cheio de paradas, viajar de carona já não era tão simples. Não tínhamos destino certo mas sabíamos que iríamos subir o rio amazonas até quando fosse possível e o dinheiro restasse. Chegamos a Belém por uma rota até certo ponto parecida com a que estamos fazendo, subimos pela chapada dos veadeiros, sul do Tocantins e maranhão até pegarmos o restante da Belém Brasília.
Me lembrei desta história pois recentemente voltei a ter uma sensação parecida com a daquela época. Quando deixamos o Belém rumo a Manaus no potente navio de passageiros, Encouraçado Nícolas. Era de noite e equanto  adentrávamos o rio Amazonas  víamos as luzes de Belém se distanciarem. Eu e meu parceiro subimos então no topo do barco e ficamos ali estatelados com as sombras da grande floresta.No momento em que o capitão do navio ascendeu as luzes para checar a proximidade da mergem iluminou uma pequena casa de madeira suspensa rodeada de uma mata densa e  a sua frente somente o rio. Naquele momento vibrei e fiquei extasiado com aquela paisagem na escuridão. Seguimos viagem por seis dias vimos muitas casas, muitas vilas e cidades. Sempre nos colocávamos no topo do barco para observar melhor a paisagem e fotografar. Em um destes momentos em frente a uma pequena vila, me dirigi ao  meu parceiro de aventura e sugeri que pulássemos do barco com nossas bagagens e fôssemos nadando para aquela vila onde faríamos um filme. È claro que a sugestão não foi aceita. Mas me lembrei desta história no momento em que ao passar a cidade de Marabá , a floresta começara a se  adensar e foram surgindo as primeiras vilas e casas tipicamente ribeirinhas do Pará. Carregávamos em nossas bagagens, uma lata de slides ”meiada”, os livros “o povo Brasileiro” de Darcy Ribeiro e “Todos os nomes” de José Saramago. Não sabíamos que faríamos cinema e a Avesso Filmes num era nem ainda sonhada. Mas  meu parceiro de aventuras e de rio já era Cardes Amâmcio.  Acabamos atravessando toda a Amazônia e terminamos a viagem em Machu Pichu.
Sinto que de certa maneira estamos realizando aquele filme e nossas bagagens flutuam conosco. Passando o encontro das águas o rio se mostrou belíssimo, e logo que chegamos a São João do Araguaia, a primeira cidade no estado do Pará, tivemos a notícia que mais este ponto, o emblemático encontro Tocantins Araguaia também está condenado ao afogamento para mais uma usina hidrelétrica. O Rio lindo, largo com ilhas e pedrais. Começa a denunciar a aproximação da cachoeira de Mãe Maria. Dormimos em São João em uma barraca de praia cujo o dono seria nosso guia até Marabá, carregando nossa carga e a equipe de produção em sua canoa estilo rabetão. Um dia de remada e estávamos em Marabá. Acabamos seguindo por um canal alternativo para embarcações pequenas e contornando pedras, curvas e passagens evitamos a mãe Maria.  Segundo nosso guia João Batista por ali passavam todos os rabeteiros, somente os barcos maiores precisavam enfrentar a cachoeira que vimos apenas ao longe o seu borbulhar de águas brancas.
Em Marabá a produção seguiu lentamente, os personagens que tentamos estavam fora da cidade. Muito cansados, aproveitamos para resgatar nossa comunicação internética e mandar notícias para o mundo. O Site tem sido uma ferramenta que tem trazidos boas surpresas apesar das dificuldades de mantê-lo atualizado. A prefeitura de Marabá através da Secretária de Turismo nos apresentou um pouco da cidade e ali aproveitamos para contratar nosso barqueiro para a próxima empreitada.  Atravessar o lago de Tucuruí, o maior de todos. Monstro de cinqüenta braços: água represada, rio morto, cidades a milhares de quilômetros ilumidas.
 Zé do Rádio e Besouro seriam os tripulante, comandante e piloto do “São Jorge” nossa embarcação. No velho estilo Marabaense  o São Jorge era originalmente usada no transporte da castanha, hoje um dos poucos remanescentes da cidade de Marabá que Zé do Rádio reformou  adaptou para ganhar a vida transportando passageiros, os próximos seriam a equipe de apoio e produção da Rota do Sal – Kalunga.

Esperantina TO 03/08/11


Estamos na fronteira com o Pará, pra variar cansados e os sentimentos se misturam. Felicidade e empolgação, com tristeza e vontade de chegar logo. As discussões são tônicas e em vários momentos os ânimos se exaltam, mas o sentimento de amizade e amor entre todos os envolvidos prevalecem e ao final do dia terminamos todos apreciando uma gelada e rindo de nossos problemas que não são poucos. De Itaguatins remamos cerca de 20 kms até atingirmos a  grande cidade de Imperatriz, a “capital” do sul do Maranhão. Aportar em uma cidade tão grande com a estrutura que temos é algo extremamente complicado principalmente quando não encontramos qualquer tipo de apoio local. Havíamos decidido passar direto e seguir para a próxima cidade que estivesse do lado tocantinense do rio, não fosse uma das maiores surpresas até o momento e que abrirei um apêndice para registra –la aqui.
 Estava eu fazendo uma entrevista nas margens do grande rio em um dos únicos pontos onde havia sinal de celular em Itaguatins, quando ouço meu celular tocando um número com o prefixo de São Paulo. Pensando ser algo importante, pedi licença e atendi. Era a produtora do projeto Oficina curta Brasil da Lais Bodansky, belo projeto que roda todo o Brasil a 4 anos aplicando cinema na veia da garotada, dizendo que sabiam que estávamos por perto e que gostariam de nos convidar para o encerramento do ciclo de oficinas na cidade de Açailândia próximo a “Imperosa”. Fiquei surpreso e sentindo super prestigiado afinal este projeto tem o nome consolidado e ainda parte de pessoas que são espécies de ídolos do cinema que procuramos fazer, além de Lais, grande diretora de nosso tempo, seu pai ainda na ativa, Jorge Bodansky dirigiu na década de 70 um dos filmes brasileiros para mim, mais importantes e precursores de uma época, o Road movie Iracema uma Trans - Amazônica.
Refizemos nosso plano de navegação para que pudéssemos participar. Eu e o Cardes desceríamos na “capital” onde esperaríamos no hotel da produção o carro que iria nos levar para a cidade do açaí, e o restante da equipe seguira até Sampaio, onde contamos com apoio do governo do Tocantins. Foi empolgante a palestra, a magia do cinema esteve presente todo o tempo e ainda acompanhamos a exibição dos 3 curtas produzido e dirigido pelos alunos. Bom ver aquela criançada se ligando que o cinema pode estar mais próximo de nos do que imaginamos. Em “Imperosa” também participamos do noticiário global MA - Tv
Em Imperatriz ainda aproveitamos para resgatar a jovem atriz do mundo Sabrina Valente, que resolveu vir de Bh para uma visita em nosso set flutuante e acompanhar um pouco do dia a dia da rota do sal kalunga. Jovem e talentosa parece uma poesia. Sua visita tem sido muito boa e trouxe uma nova energia com seu jeito contagiante de bater asas pelo mundo.
Reecontramos a equipe em Sampaio, pequena cidade do TO que devido à temporada de praia não conseguimos aportar por lá. Seguimos até uma praia um pouco baixo do no rio e dormimos ao som da grande festa que virou a noite no “point” do verão tocantinense. No dia seguinte o Cardes a Flor o Gu e a Sabrina, retornaram a cidade para um entrevista, seguindo as pegadas do Padre Josino, enquanto ficamos na praia preparando a partida rumo a São Sebastião do Tocantins. Remávamos o rio agora mais largo do que nunca, e em uma remada tranqüila chegamos nesta cidade pequena e pacata onde viveu e atuou a maior parte de sua ação política o Padre Josino. Passamos o dia ali, Cardes foi atrás de pessoas que conviveram com ele enquanto eu procurava personagens na beira rio. Fizemos algumas entrevistas com pescadores e barqueiros da região. Conseguimos sair de São Sebastião somente as onze horas. Ossos do orifício: remaríamos com o sol rachando. Dormimos a noite de ontem em uma praia próxima a um vilarejo chamado de Pedra de Amolar à cerca de15 kms do encontro das águas. Agora estamos aqui em Esperantina, esperando com esperança notícias da produção executiva que está em Belém, tentado articular apoios que facilitem o prosseguimento de nossa produção. Decisões precisam ser tomadas e aguardamos amanhã para decidir como será os próximos momentos de nossa aventura cinematográfica.
Itaguatins – 28/07/11
O rio aqui corre rápido e forma uma das últimas cachoeiras do Tocantins que ainda sobrevivem ao afogamento constante ocasionado pela construção de hidrelétricas. O rio aqui é de beleza extrema. Com a água correndo em alta velocidade, é possível observar o pato mergulhão, espécie ameaçada de extinção em plena a atividade que lhe garantiu o nome e também garante seu almoço, ao pescar, apenas sua cabeça fica pra fora como um snorkell, afundando sempre que enxerga um peixe, some por alguns segundos e torna a reaparecer. O rio aqui é o mais largo que passamos até o momento, e a remada de Tocantinópolis até aqui foi  onde pudemos observar o rio em seu maior esplendor se alargando de sobremaneira, chega a ter com certeza cerca de mais de 1km de extensão.
A saída foi conturbada, e tivemos um atraso gigantesco. Estavámos todos prontos às 8 hs e o carro responsável por colocar nossas embarcações na água só apareceu  ao meio do dia. Resultado, tínhamos de remar 45 kms apenas na parte da tarde. Não exitamos e botamos nossos caíques para chiar rio abaixo. A correnteza ali era forte chegando a formar pequenas batedeiras e razeiras de pedra. Por volta de cinco horas da tarde já somávamos mais ou menos 35 kms e começamos a procurar nosso acampamento, naquele ponto nem uma praia ou clareira se mostrava aconchegante, acabamos decidindo remar até uma praia chamada Simauma da qual alguns pescadores davam notícia de estar por perto.
 Nosso barco de produção tripulada pela Gabi e pelo Antoniel,  “piloteiro” da Naturatins, partiram na frente em busca da praia perdida e nós continuamos enquanto o sol se punha, acompanhado pela lancha dos “Bombs”. A noite caiu e a praia nunca chegava, pelo rádio buscávamos contato mas não encontrávamos respota, a frente em meio a escuridão, uma luz piscava, no lado maranhense outra luz, no lado Tocantinense um terceira luz, resultado  estávamos perdidos na imensidão entre o céu, a terra e o rio Tocantins, e para piorar a situação sem perceber havíamos desgarrado do outro caiaque. Resolvemos seguir a luz do meio, enquanto lentamente esperávamos pelo outra embarcação que imaginávamos estar junto ao barco dos bombeiros. Ficamos a ali a deriva por alguns minutos e de repente ouvimos o rádio chamar, com a voz do “piloteiro” Antoniel : Vou aí resgatar vocês, a luz é a do meio, mas tem um banco de areia que vai encalhar todas as embarcações. Neste momento veio se aproximando também o barco dos bombeiros e percebemos que o Cardes e o Baxter não estavam com eles. Cresceu um sentimento de preocupação. Fizemos o contorno do banco de areia e aportamos na Ilha de Simauma, com barraquinhas e toda uma estrutura montada para a temporada. Na correria logo que saltei de meu caiaque, passei para o barco da Naturatins e junto com Antoniel fomos atrás de nossos parceiros de expedição. Saímos com lanternas em punho e depois de alguns minutos avistamos nossos parceiros que já vinham em nossa direção.

 Ao voltarmos quando pensávamos que iríamos descansar o Baxter deu o alarme: “Está faltando um caiaque aqui.” Pronto, na correria havíamos apenas encalhado a proa e esquecido de amarra - lo. Com toda a movimentação dos barcos, nosso caiaque havia resolvido dar uma volta em solitário pela noite. De novo corremos para o barco da Naturatins agora em busca de nossa “canoa” perdida. Era uma noite sem lua e a escuridão era densa.  Por nossa cabeça rondava o desespero de perder nosso meio de transporte em meio a expedição. Alguns minutos navegando  na penumbra enquanto nossos cérebros navegavam na possibilidade de um fracasso infantil, lembrei de nossa senhora dos navegantes, e apesar de uma crença questionável de minha parte notamos que em nossa direção vinha uma grande canoa de madeira movida a motor. Apertamos a vista e notamos que os tripulantes seguravam alguma coisa que não dava para identificar. Ao nos aproximar tivemos certeza: era nossa “canoa”. Trazida a nós por pescadores que por uma sorte divina a viram a deriva e como pescavam na mesma ilha que estávamos traziam diretamente para nós. Voltávamos a rota,  agradecemos muito aquela ação e aproveitamos a noite comendo um belo jantar com pescada amarela frita,  que os mesmos pescadores haviam acabado de fisgar. Peixe fresco para pessoas cansadas. Dalí só pude esticar uma lona, colocar meu isolante e  dormir ali mesmo ao ar livre em uma ilha paradisíaca sobre um dos céus mais estrelados que pude ver nos últimos meses. Antes de apagar de vez, ainda contei mais de dez estrelas cadentes, e em todas repeti sempre o mesmo pedido, e para que ele se realize não poderei revelar agora.
Acordamos com o nascer do sol tomamos nossos lugares e partimos. O rio se alargava ainda mais, e a correnteza ia aos poucos diminuindo, a remada se tornava lenta  e os estirões cada vez maior. Era o prenúncio da grande cachoeira que sabíamos se aproximar. Cachoeira de Santo Antonio, uma das últimas que ainda restam no “caudaloso Tocantins”. O plano de navegação era chegar em um lugar conhecido como “Descarreto” onde os antigos motores e batelões tinha de invevitavelmente descarregar as mercadorias, passar o comando do barco para o “prático”, (piloto que mora no local e é especialista em passar nas corredeiras com grandes embarcações). Descarreto deu origem a atual cidade de Itaguatins do TO. Toda a génesi desta cidade está ligada a cachoeria que ali existe. No Descarreto, mais de 50 anos depois do período das grandes embarcações nossa expedição teve de repetir o mesmo ritual. Contratamos o Jairo, prático moderno desta antiga profissão que alí ainda resiste. Depois de algumas conversas e estratégias resolvemos como seria nossa descida. Primeiro o Jairo desceria a lancha dos Bombs, seguida de nossos caíques. Tom e Baxter estariam a posto para garantir o take e em seguida, descarregaríamos algumas cargas que iriam de carro para um ponto logo abaixo da cachoera e desceríamos o barco da naturatins. A adrenalina subiu e o rebojo era alto, parecia um mar em fúria, cerca de 2 kms de batedeiras e pedregal onde nossos barcos atingiram quase 20 kms por hora, foi um dos momentos mais empolgantes e excitantes de todo o percurso até o momento. Ao completarmos a travessia com sucesso comemoramos aos gritos e abraços na bela praia do Tio claro em Itaguatins.
 
Tocantinópolis 20/07
Remamos o rio novamente. Bom  verde novo.  Água corrente chiando sob os caiaques com destino a Belém. Ou são teus olhos que procuro, ou teu sorriso que me inspira. O cinema como o rio é movimento sem o qual não crio. São duas horas da madrugada de um dia assim em que me encontro ao avesso do mundo  e pensando naquele esquema.

foto Gustavo Baxter
Em Estreito do MA e Aguiarnópolis do TO, pouco filmamos. A remada até ali havia sido desgastante e não encontramos qualquer tipo de interlocução ou apoio com o poder público local. Não conseguimos nos locomover.  As duas cidades se desenvolveram ao longo da rodovia que liga o centro oeste do país, ao sul do Maranhão.  O estreito é um nome que se refere à geografia do rio e que hoje se empresta a cidade. Naquele ponto o enorme rio se fecha em uma pequena passagem com cerca de, 15 metros. Aproveitando esta situação foi feita ali talvez a primeira ponte sobre o rio Tocantins, que se tornou um importante ponto de passagem de cargas para o interior destes estados. Toda a cidade parece girar em torno da ponte rodoviária assim como a ferroviária que também cruza o estreito do rio. Aproveitando este mesmo estreito, foi feito naquele ponto a barragem e as comportas da hidrelétrica do estreito, que recentemente também faz girar a cidade.

foto Gustavo Baxter
 De nossa parte, remamos toda a represa e aproveitamos o estreito para colocar nossas embarcações bem em frente às comportas da barragem e ter com o rio novamente. Tom e Baxter se posicionaram para uma tomada e atravessamos o estreito, felizes de novamente conseguir imprimir uma maior velocidade em nossos caiaques.
foto Gustavo Baxter
O rio se fecha em paredes de pedra e voltam –se a formar – se  praias. Incrível como pode um rio tão caudaloso se estreitar de sobre maneira? Mais a frente uma ilha e uma enorme praia, com dezenas de barracas a espera dos banhistas. Seguimos, e em uma remada leve alcançávamos 11 kms por hora. Para comparar: nas represas nos esforçamos para conseguir chegar aos 9 km/h. Com 27 kms deslizados, aportávamos em Tocantinópolis. A mais antiga cidade no extremo norte do atual estado do Tocantins.  Na outra margem, Porto Franco do MA, outro ponto importante de nossa rota.

foto Gustavo Baxter


Carolina 08/07/11
 Passamos a Carolina a cerca de três dias. Aqui é onde teremos a maior parada. A cidade é esplendorosa  e preserva ainda um patrimônio arquitetado bem rico. Toda equipe apresenta alguma forma de cansaço, decorrente do longo período de produção. Dificuldades inerentes de um filme de rio, onde toda equipe se desloca pelo seu leito. Seria ótimo se tivéssemos um carro, mas infelizmente o orçamento é curto e o percurso é longo. Dificuldades de um cinema de rio, são todas do cinema nacional e mais algumas. Todos temos de desempenhar tarefas múltiplas, e muitas vezes a remada não basta. Algumas cidades como um sintoma da cultura brasileira não oferecem nenhum tipo de apoio, e temos de nos esgueirar por entre hotéis e pensões, buscar ao passo do pé, personagens, paisagens, histórias e memórias.


foto Gustavo Baxter

 Entre Carolina no Maranhão e Filadélfia do sertão do Tocantins, existe mais uma vez uma fronteira social delimitada claramente pelas águas represadas que afogam o Tocantins. A balsa sempre cheia atravessa de caminhões trucados que causam engarrafamentos poeira, barulho e etc. Duas de lá para cá, 24 horas, do Pipes, o rei do rio. Do lado de cá, seus estaleiros, hangares, oficinas a todo vapor, movimentam a economia e o comércio ainda é pungente em Carolina. Do lado de lá, “on streets of Filadelfia”, casebres se espalham pelo cerrado, em palha, sem água ou esgoto, sem nem mesmo ruas, apenas algumas praças acanhadas são calçada em um pequeno raio ao redor da prefeitura e das igrejas.
foto Gustavo Baxter


Carolina 10/07

foto Gustavo Baxter
Aproveitamos esta parada na formosa Carolina do MA para reabastecer nossas baterias para a etapa que penso ser a mais difícil da expedição. A equipe já se encontra em campo navegando por cerca de dois meses, e apesar da vontade e empolgação com o projeto os sinais de cansaço e desgaste pode ser notado em todos.  Estamos praticamente na metade do caminho  e a partir de agora estaremos cada vez mais em ambiente amazônico. As dimensões desta rota do sal brasileira são colossais  e realizar um levantamento em um território tão extenso pode mesmo ser visto como um trabalho insano e quase sem fim. Muito pensamos sobre isto e ainda hoje estamos convencidos de que escolhemos a melhor maneira para tanto.  A história aqui em Carolina é bem viva e paira na atmosfera desta pequena cidade de origem colonial um ar erudito e intelectual  cultuado em seus principais escritores personalidades artísticas e das ciências,  oriundas de Carolina.
O  que pesa agora, é o fluxo criativo em meio a tantas crises que enfrentamos decorrentes do processo de produção  de nosso “river movie”. Tenho aproveitado o tempo extra ancorado para tentar relaxar a mente, e distrair com pequenas trivialidades, uma cerveja gelada em busca da mulher amada.
Algumas pessoas aproveitam e recebem visitas de suas esposas e se distraem matando saudade e passeando pelas ruelas desta interessante cidade. Eu, pra não furtar à poesia, sigo solo, me embebedando por entre bares buscando  partes do  que perdi.  Inquieto mudo diversas vezes de lugar enquanto escrevo.

foto Gustavo Baxter

Carolina – MA  11/07/11
A alguns dias por aqui parece que conseguimos reorganizar e principalmente revigorar em parte nossa motivação para seguirmos viagem. A escrita ainda é suada, e mais como um exercício de  tortura e disciplina tento deixar correr algumas palavras que registrem este momento. Amanhã encerramos nossas atividades por aqui, nos preparamos para por os barcos na água e seguirmos para a segunda metade de nossa rota. Muitas coisas ainda pela frente se apresentam como grandes desafios, e muitas surpresas nos aguardam. Em breve entramos definitivamente no bioma amazônico.  Seguimos a caminho do encontro com o rio Araguaia onde é também a tríplice fronteira dos estados do Tocantins, Maranhão e Pará.    
Acredito que agora estamos diante dos momentos mais difíceis da expedição, onde o cansaço cobra seu preço e é preciso disciplina redobrada para manter a pegada cinematográfica necessária até o mar. Remar é fácil, filmar no Brasil difícil, agora: navegar é mais preciso do que nunca.

foto Gustavo Baxter

Pedro Afonso – 27/06/11

-“Psedy” eu, disse.
-“Psektadi” ela sorrindo respondeu e caminhou seguindo pela estrada acompanhada de alguns “aikdes”. Continuei meu destino rumo a aldeia, levava um sorriso leve em meu rosto. Mais alguns passos e enquanto eu ainda processava aquela nova palavra, ela  se virou ainda sorrindo e em português se dirigiu a minha pessoa: - “Tem gente lá na fonte”? Meu cérebro se confundiu, meu sorriso leve se transformou em bôbo. Torci o pescoço, engoli toda a sequidão daquela tarde e disse que não havia ninguém. Retomei o caminho que seguia. O processamento foi lento, enebriado por aquela cena. Pura e colorida paisagem que a dias agita meus fluídos. Chegara à aldeia Traíras para a festa dos Xerente havia apenas algumas horas, voltava do ribeirão que havia ido banhar. Meus passos se tornaram leves, como um caminhar em nuvens e a terra em que pisava parecia deslizar sob meus pés. Continuei pensando naquela imagem e me perguntando o que seria “psektadi”.?


            Passamos uma semana incrível em contato com uma realidade para nós distante. O Brasil não conhece o Brasil, repete o refrão. Nós fazemos a nossa parte, e ainda mais apaixonados. Desde que chegamos a Miracema e Tocantínia, nosso filme de aventura tomou novos ares, renovado e estimulado pela sabedoria e beleza da Nação Xerente. Povo que a séculos habita as barrancas do Tocantins. Indío Xerente é valente e sua história recente marca a trajetória do processo de formação da civilização brasileira. A princípio semi - nômades, viviam principalmente no médio Tocantins. É comum ao estudar o processo de formação das cidades ao longo do grande rio encontramos relatos de ataques e até mesmo a total destruição de vilarejos e fazendas, por parte dos Xerente. Como no caso que podemos observar nas ruínas do Pontal, que após a sua total destruição, pelos Xerente, deu origem às cidades que hoje recebem o nome de Porto Nacional e Brejinho de Nazaré.
 Os relatos dos tempos das primeiras entradas e do surto civilizatório pela região durante o  século XIX, ainda residem na memória dos anciões desta nação.  Xerente é povo que gosta de andar e, durante o século XX, muitos deles trabalharam intensamente no processo de demarcação territorial indígena e entendimento da mentalidade do branco. Viajaram o Brasil inteiro, muitas vezes a pé, e ainda por diversas outras nações para buscarem uma compreensão e a organização dos povos indígenas. Hoje estas pessoas se tornaram os anciãos de suas aldeias, e sua função social é guardar a memória dos tempos de outrora. O ancião, diferentemente da maioria das sociedades, para o índio possui um lugar de destaque, e foi em busca deles que começamos nossa incursão pelo território  Xerente.

Waisiwenkí (te quero bem)

 
Olho puxado,
Cabelo riscado,
Bochechas marrom,
Sorriso acanhado.

Vontade de sede,
Sede de Sono,
Sono de índio,
Sonho de rio.

Descendo  balsa,
Remando canoa,
Pra ver se a verdade
Se esconde na curva.

E se assim sucede,
Parar de andar,
Parar de remar,
Pra ver amansado
O mundo girar.
Cenas para os próximos capítulos:
Viagem ao Respourê,
Aportando nossos barcos em “Arozaroi” e “Kriwahâ”
A festa na Aldeia Trairá e o mistério de “psêktadi”


Pedro Afonso TO 24/06/11
Conversei estes dias com o Velho Índio seu nome  Saurepté. Ele me disse que andou o Brasil inteiro somente para ver se era verdade. Atravessou o São Francisco, esteve em Juazeiro, voltou para Petrolina. Subiu Recife, desceu pra Pirapora nossa senhora. Subiu rua da Bahia e viu a Serra do Curral. Foi ao Rio de Janeiro e São Paulo, conversar com general. Andar encurvado com sua borduna em mãos salientando autoridade da memória. Saurepté, no idioma Gê, coisa grande e amarela. Ele em seu corpo pequeno.
 Voltou para sua aldeia, aqui no centro norte do país, mas ficou por pouco tempo.  Pôs as pernas no mundo para conhecer todas as nações. Seguiu pelo rio Tocantins para chegar ao Pará:  como disse “amansando o povo bravo”. Os tempos mudavam e nunca mais iria parar de chegar brancos. Ele vira com os próprios olhos, na terra do “papai grande”, a “brancaria” chegava por todos os lados.
...

     







Miracema do TO, antiga Miracema do Norte – 18/06/11
Atravessamos a represa da hidrelétrica do Lajeado. A segunda de nossa rota. Desde que partimos de Brejinho já remávamos sobre a influência de seu represamento.  Em Brejinho visitamos algumas comunidades que se formaram a partir dos primeiros garimpos da região. Todas elas confirmavam a possibilidade de serem os Kalungas um só povo, que se espalhou naturalmente seguindo o curso da artéria principal o rio Tocantins. Em todas estas comunidades a memória dos tempos em que eram navegantes ainda está viva, se repete e adquire novas características, lembram de povos irmãos, com celebrações e festas semelhantes. Um dos desafios do projeto, é que a apesar de ser  fato relativamente recente, é comum ouvir dizer em todas as comunidades que visitamos que os velhos todos já morreram, e que a cerca de uns 4 cinco anos atrás ainda tinham alguns dos últimos. Isto se repete desde o Kalunga.



Começamos as pesquisas a 7 anos atrás e  pudemos vivenciar de perto este lento silenciar da memória. Ontem estivemos com lideranças indígenas da tribo Xerente. Acabamos de chegar em seu território e pelo momento as margens do Tocantins é território indígena, devemos pedir licença para passar. Paulo e Samuel,  da FUNAI, foi quem nos atendeu  e novamente nos aproximamos  de nossa história. Os Xerente, assim como os Apinajes e Craos, são descritos na literatura de época como exímios remadores. Paulo nos explica que de fato, a cerca de uns 3 anos  morreram os últimos navegantes, mas que em algumas aldeias existem pessoas que guardam na memória a estória de seus ancestrais.  Nos preparamos para esta visita em breve.
No momento estamos na pacata  Miracema do Norte, tentando localizar a Mariposa Apaixonada de Gaudalupe, que ainda mora por aqui. Soubemos que o caminhoneiro Arlindo Orlando esteve na cidade na semana passada e atualmente mora no Paraíso.


 Bem em frente a Miracema está a cidade de Tocantínia. É visível a fronteira social demarcada geograficamente pelo rio. Tocantínia esteve durante a década de noventa muitas vezes no noticiário nacional devido a conflitos por demarcação do território indígena. Hoje basta atravessar o rio e perceber como mudam  as  coisas. Tocantínia muito mais antiga que Miracema, hoje tem uma população predominantemente indígena. Enquanto ao lado de cá a cidade se apresenta como muitas outras do Tocantins, do lado de lá, a arquitetura se difere, as cores das casas se destacam e o movimento na praça é diferenciado.
Mas retornando aos dias passado, de Brejinho seguimos para Porto Nacional, um dos mais antigos centros de adensamento populacional da rota do sal. Esta cidade ainda possui um conjunto arquitetônico belíssimo apesar do grande crescimentos ocorrido após a criação da capital do estado a apenas 60 Kms. O Represamento do rio por ali já data de mais de 10 anos, e no caminho atravessamos pelo local onde um dia existiu a famosa “carreira comprida”, um estirão de quilômetros a fio de “batedeiras”,  pedras, e estreitamento do rio descrito em diversos relatos de viagem e ainda vivo na memória dos moradores locais.
 A cidade em franco desenvolvimento possui  atualmente, universidades, hospitais e etc. Porto Nacional tem também uma vocação natural para o turismo, e uma antiga história de vanguarda intelectual desde os tempos dos freis dominicanos, que ali construíram uma das mais suntuosas igrejas do centro norte do Brasil e fundaram um influente convento. Gravamos com o músico, pesquisador e historiador local Everton do Andes. Com ele atravessamos os caminhos percorridos pela música do Tocantins passando pela precoce formação do grupo de Jazz Cruzeiro do Sul, que tendo seu pai no clarinete criva a atmosfera portuense durante as décadas de 40,50 e 60 e chegando nos dias de hoje, com as influências regionais e estrangeiras. O Jazz criado no início do século XX nos Estados Unidos, também subiu o rio vindo de Belém, e mesmo contra a corrente e se transformou neste sertão desconhecido. Gravamos também com o Dr. Mazano que junto com sua esposa também médica logo que formados debandaram de São Paulo para o Oeste desconhecido. Profundamente interessado nas origens da cidade que adotou, nos contou histórias de tempos imemoriais , de quando chegou o primeiro carro em Porto Nacional, do isolamento que ele próprio chegou a vivenciar. Esclareceu - nos tecnicamente o que a carência do sal pode ocasionar no organismo e ainda nos disse que quando de sua chegada na década de 50 era extremamente comum os casos de bócio.
Nos esgueiramos por entre paredes históricas,  alicerces de pedras colossais, dobramos  esquinas na sombra do dia. Encontramos Edivaldo Rodrigues, jornalista e romancista local, tem sua obra pautada na dramaturgia histórica onde a  partir de pesonagens reais e fictícios recria a atmosfera de um Porto real, com embarcações reais, botes e batelões, vogueiros e varejadores. Nos levou pra caminhar por entre as ruas ainda reais de um Porto agora Nacional, sem barcos , ou batelões, sem vogueiros nem remeiros, apenas memória e fios de alta tenção. Na rua das flores, procurando amores, dobrando esquinas da catedral, notamos o Museu Nacional de um porto do sertão. Dois andares de um sobrado muito bem restaurado em rua aos fundos da igreja dominicana para N.Sra das Marcês. O Museu possui um acervo interessante apesar de mal organizado, exposto e apresentado de maneira distraída, e antiquada. O mais interessante, são algumas fotografias expostas em painéis com texto explicativo, mas que em alguns momentos são confusos e desatualizados, como no caso do quadro que apresenta a “Sussa” como ritmo e dança típicos da identidade tocantinense e na foto aparece um Tambor de Crioula do Maranhão.  Não tivemos acesso ao acervo de imagens do museu, sete anos de pesquisa e viagens de pré produção não valeram em nada ali naquele momento. Tudo estava nas mão de um certo Secretário de Cultura e Turismo, que apesar de mantermos contato ao longo deste últimos meses, temos encontrado pessoalmente, não nos recebeu nos 5 dias que estivemos ali.

Os dias de produção em Porto Nacional foram intensos e as dificuldades de um filme de rio ficam maiores quando não se encontra apoio por parte do gestor público, que demonstrou profundo desinteresse em nossa memória, e principalmente em sua própria história. Sem contar que deixou claro que a cidade não possui nenhum receptivo preparado para o turista pós - moderno. O sentimento ruim só foi tirado pela receptividade e carinho daqueles que nos receberam e conosco compartilharam sua memória. Agradeço a prefeita e seu secretário Robeuvar, o mesmo que nos recebeu em sua Pousada e restaurante 5R em Ipueiras e que nos garantiu um apoio mínimo durante nossa estada.
 Tivemos de deixar para uma próxima a visita a algumas comunidade rurais da região do Garimpo do Pontal entre outras . O descaso em Porto Nacional, serve – nos de exemplo para seguirmos viagem após compreendermos um pouco mais de como se desenvolve a cultura e o acesso a informação em nosso país. O filme é de rio, de movimento e ação.  Seguimos em frente descendo pro norte ao encontro do mar.
Uma breve interrupção nos lançou direto em território Xerente. Acabo de retornar de uma conversa com o antropólogo Odilon Rodigues, que a seis anos vive e estuda entre os  desta nação que está entre as mais originárias do médio Tocantins. Durante a conversa sobre bibliografia e referências históricas, surgiu seu sogro e seu filho Xerente de dois meses no braço de sua mulher. A conversa estava boa em torno da memória do rio, e acabamos recebendo um convite para visitar a tribo ainda amanhã em três motos que virão gentilmente nos buscar na cidade.


De volta ao Miracema Palace. O hotel é um pouco afastado do centro da cidade o que acaba nos deixando um pouco isolados quando não recebemos apoio local e não temos carro para ajudar na locomoção da equipe. Voltando ao rio e a memória que tento guardar em palavras destes dias recentes de aventura e cinema. De Porto Nacional a Palmas a remada foi tranqüila, com apenas algum leve banzeiro, dormimos um dia em um ponto de pescadores a cerca de 20 kms da Capital. O Local era um pouco sujo e refletia o uso constante e a falta de cuidado, com diversas garrafas de cerveja empilhadas ao largo. O dia seguinte foi de muitas remadas e lagos cada  vez maiores e com mais vetos. A água se tornava pesada e letamente avançamos. A primeira visão foi um tremendo arranha céus inacabado , pequenino como uma caixa de fósforo , estilo espigão, se destaca na paisagem que  se enxerga a distâncias quilométricas, se juntando a pequenos pontos brancos do que seria a ponte de Palmas. Finalmente chegamos e apelidamos aquele prédio bem próximo da praia da Graciosa com o singelo nome de visão do desespero.
Em Palmas a recepção foi calorosa e aproveitamos para agradecer pessoalmente alguns apoios que se mostram fundamentais em nosso processo de produção. Importante estar juntos de pessoas que acreditam na possibilidade de um cinema produzido no suor e na labuta do campo. Tocantins é um estado em franco crescimento, desconhecido e misterioso para a maior parte dos brasileiros. Estado de belezas únicas , terra de oportunidades, uma experiência que deu certo, e uma identidade que está afim de dizer a que veio. Fizemos uma tomada aérea da capital. Estivemos com a Joana Munduruku, com a secretária  estadual de cultura, com o presidente da Naturantins. Na saída ainda demos entrevistas para a rede globo e a TV Brasil.
 Alías ao meio do lago paramos de remar para assistir no celular do Cardes, por volta de meio dia e quinze,  o noticiário TO-TV que dava conta de nossa passagem pela capital, dos 500 kms remados até aquele momento, do nosso cinema e dos objetivos de nossa aventura. Palmas  é uma cidade que ainda me espanta, espero retornar em breve para o lançamento e a distribuição do filme.


Porto Nacional - TO 10/06/11


Entre a poesia e a verdade,
Existe um rio.
Submerso e afogado,
por onde navego meu destino
Errante e solitário.
Coração sem porto.

Árvores secas,
em deserto molhado,
cemitério atmosférico
lixo de elétrons
afronta ao sol
desespero da razão.

Minha frágil canoa
Se desmancha em prantos
Faz água na proa
Deslizando em quase oceano
De lamento ribeirinho
Que ainda entoa seu canto

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Estamos na rota.

Eu e Gabriela Rodrigues, produtora e anjo da guarda da Rota do Sal,
 em acampamento próximo a barra do rio Maranhãp
Hoje fizemos a tão sonhada tomada aérea da Rota do Sal. A sempre tão sonhada tomada aérea de todo cineasta. Todos que se prese, pelo menos eu imagino, já deve ter recebido aquele sorrisinho escarneado, escamoteando ironia ao descrever um projeto a alguém que provavelmente te dirá sonhador. Nos sonhamos, e aqui estamos. A primeira tomada aérea de nossas carreiras foi feita no lago de Palmas, a bordo de nossos caíaques, batizados de Eva e Procópia e que ainda nos navegarão a Belém, com a graça do Divino.
Por volta de 8 horas da manhã partimos todos para o quartel dos bombeiros de Palmas, a bordo do "bombs móvel".  Encontramos por lá o comandante e o co-piloto da aeronave que iria subir pelos céus do TO, gentilmente cedida pelo próprio Governador. Para gravar o que bem quiséssemos teríamos uma hora de voo e acredito que escolhemos um bom ponto para uma bela imagem. Voltamos para Porto Nacional por volta das 3 horas da tarde. Aqui a coisa tem sido um pouco complicada e acabamos demorando para conseguir as entrevistas e histórias que buscamos. Tom e Baxter seriam a dupla de fotografia e filmagem a ganhar os áres. Enquanto, eu, Flor, Cardes e Emerson, seriamos os pontos a atravessar pelo enorme Lago de Palmas em direção a próxima parada a pequena cidade de Lajeado, onde termina mais um represamento do grande rio. Então teremos vencido 2 das 4 barragens de nossa rota. Voltaremos enfim ao rio corrente, vivo e nosso próximo ponto alto na viagem é a reserva indígena dos Xerentes, na altura de Miracema e Tocantinia. Mas antes disso muitas surpresas e histórias nos aguardam, muito remo, e muita água vai passar.



 Brejinho de Nazaré - TO

03/06/11
A muito tempo não sentia uma tristeza tão profunda, verdadeira depressão aguda e instantânea. Derrubou - me neste calor ribeirinho. A expedição largou a quinze dias, agora aqui dentro de mim, neste lugar que a seis anos anotei o nome, equanto pensava na profundidade de Brasil que iríamos chegar,  e ainda na marcha para o oeste, dos irmão villas boas que lia naquele momento. Apesar do tempo e das dificuldades, sabia que um dia minha frágil embarcação aportaria neste lugar que carrega em seu nome a singeleza de um povo.  A beleza de Raiani, que se quizer me faz virar a casaca. Aos poucos começo a despertar do topor que me lancei hoje durante toda a manhã e grande parte da tarde. Uma vontade de contar a novidades para o meu pai. Como tem sido a produção, como vai andando meu primeiro longa. Como esta difícil aqui sem ele, falar dos meus erros que agora percebo com clareza, da vontade de rever Julia.  Comemorar os acertos e o rendimento das remadas. Da luta da natureza contra a ignorância de homens. Do cinema, do movimento, da memória. É preciso romper as barrragens, estourar as represas,  deixar circular novamente pelas artérias do meu coração. Basta o tempo para o rio retomar seu leito natural.


Daqui tento retomar os quase 20 dias que não escrevo. Uma sucessão de acontecimentos, emocionantes, intrigantes, arriscados, desafiantes, e tantos outros adjetivos. Hoje com 400 kms remados  tento olhar para trás e rememorar como se deu  minha iniciação á prática de canoagem de longas distâncias. O Rio Paranã , caudaloso e encaichoeirado.

Sabia que ali seria a parte mais acidentada de nossa rota, e que nossos caiaques não agüentariam grandes impactos. Grande caiáques oceânicos fabricados com fina camada de fibra de vidro, tiveram de enfrentar mais de dez cachoeiras e corredeiras que chegaram a causar espanto. Na primeira logo de saída, ainda um amador,  distraímos, e acertamos em cheio nossa proa. Um enorme barulho. Decidimos nem olhar. A coisa foi ficando feia e sucederam - se as corredeiras. Mais um amadorismo e erramos o  alvo novamente sendo tragado na lateral diretamente em uma pedra. Resolvemos parar em uma praia e averiguar os estragos. Descobrimos que a proa fazia água e alagava todo o compartimento estanque, sorte que ficava por ali. Na lateral, um pouco de água no cockpit traseiro. Parecia que nunca iria acabar, aquele rio maravilhoso  ficava cada vez mais nervoso. Começamos então a parar antes de cada corredeira e analisar com precisão, cada uma mais bonita que a outra. Não podíamos  cometer mais  erro pois nossas canoas tem de nos de nos navegar  a Belém.

Foram três dias de muitas corredeiras. Percorremos 180 kms e a maior parte sem  qualquer barco de apoio. Dormimos em praias ou pequenas ilhas. Algo de mais lindo que já pude por meus olhos. Em uma destas ilhas ao entardecer, ouvimos um grito que não conseguíamos compreender bem.  “Vem aqui que tem cerveja gelada”, ou “Coca cola Gelada”, Ou “vem aqui que tem mulher pelada”. Resolvemos conferir o que era e, enquanto cardes e Flor preparavam o jantar eu e Emerson atrevessamos o rio até a casa que avistávamos. Chegando lá fomos descobrir que na verdade o velho estava gritando para nos saíssemos da ilha dele, que aquele era o lugar dele pescar. Explicamos que não éramos pescadores e ele então concentiu que pernoitássemos em “sua” ilha. Nos abastecemos de alguns ovos, farinha e mamão. Pra finalizar a triste notícia: o plano de construção de mais duas represas no Paranã. Aquela paisagem que acabávamos de percorrer estava condenada ao afogamento. Triste fim de mais belo rio igual ao mar, já disse em 2005 com o “Olhar Calunga”. Um lugar que deviria pelo contrário ser transformado em reserva da humanidade vai ser estuprado, e o velinho será retirado da ilha que se apossou a anos. Enquanto isso parte do rio vai sendo dragada pelo garimpo que intimida os moradores locais e não sofrem nenhum tipo de fiscalização. Interessante como pode existir assim tantas moedas para a mesma questão.
Chegamos na cidade de Paranã, na manhã do quarto dia e já remando sob a influência do represamento para a hidrelétrica de Peixe. A primeira parada. Alí era o último porto oficial da  rota comercial do tocantins que operou vigorosa por cerca de um século e meio desde a capitania do Grão Pará.
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agumas retrospectivas aos poucos...
Cavalcante - GO
Dia 17\04\11 

                A noite de ontem foi bastante proveitosa em reflexões e debates sobre a importância e dificuldades do Projeto Rota do Sal, dos Kalungas, e deste retrato de Brasil que vamos aos poucos imprimindo em nossa película cerebral.  “Fininha” e” Arraiána” bons exemplares de aperitivo de cana produzido na região, molharam nossa palavra e na companhia da Bell, Helena, Renato, Paulo e Flor entramos noite adentro, ainda com a distante mas marcante presença da lua cheia. A Helena é a proprietária da Pousada Aruana, e que de nossa última passagem por aqui tivemos oportunidade de conhecer. Esta pousada tem uma localização incrível, instalada no cerrado bem ao pé da serra que circunda toda a cidade de Cavalcante.   O que levou Lisias Rodrigues a chamar esta formação geográfica peculiar de “o mais extraordinário buracão do Brasil”.
                          A conversa foi esquentando as reflexões se intensificaram, rendendo bom papo quase secamos a garrafa e quase não conseguimos ir embora. No caminho de volta, caminhando a luz da lua, idéias, discussões conceituais, e das responsabilidades envolvidas na produção deste filme e de seus desdobramentos foram enchendo o leito, e desaguaram em um mar de sentimentos, dúvidas e certezas. Entre elas a principal: é chegada a hora de deixar o papo burocrático de lado, é chegado a hora de nos entregarmos, na construção de um diálogo comum, compreensível, falado na mesma dobra da língua, na construção coletiva de um filme,sobre uma história onde além de protagonistas os Kalungas são guardiões.

          Hoje acordamos com calma e viemos para a Pousada Sol da Chapada. Vamos tirar o dia na tentativa de organizar as demandas, e começar a estabelecer um contato mais metodológico com a comunicação. O Marcelo marido da Monica, um cara super atencioso já logo se interou do projeto  e vem demonstrando um interesse magnífico de colaborar em tudo que precisármos. Completamente resignado com aspectos políticos da região, irriquieto e cheio de ídeias um anarquista iconoclasta, como ele mesmo se definiu. Aprofundamos nossa parceria colaborativa com esta pousada e com site mantido pelo Marcelo, www.chapadadosveadeiros.com. Agora é trabalhar nesta demanda executiva. Formalizar e apresentar formalmente as parceira já encaminhadas.

Aqui em Cavalcante é sensível um clima de agitação política e de vontade de fazer virar a economia do lugar através do turismo. As potencialiades são de dimensões inigualáveis. Tendo grande parte do território do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros de um lado, uma tal de reserva do Boticário, e do outro lado da serra que daqui avistamos atravessando o Rio Paranã está o Quilombo Kalunga, de dimensões gigantescas em termos territoriais, populacionais, históricos e culturais. Cada qual com seus elementos peculiares se juntam aqui na sede do município para mediarem seus interesses e chegarem a um bem comum. Da pra imaginar como isso ocorre de maneira desordenada porém inexorável. As  moléculas se agitam em todas as direções e até encontrar o equilíbrio o tamanho da luta e tempo de duração do embate são imprevisíveis. Fica a sensação que os Kalungas ainda, repito, ainda, não conseguiram deixar de serem reféns deste joguete político que nunca, repito nunca, os favoreceu. Mas um dia a casa cai, como diria o velho índio em meu ouvido.
Aqui na sede do munícipio creio que concluímos nossa parte.  Alertando, ouvindo e conversando com as pessoas e orgãos envolvidos procuramos demonstrar a janela de oportunidade que se abre a partir do portal e do projeto Rota do Sal Kalunga. Agora é hora de movimentar, como disse no começo deste texto,  esta foi a conclusão de ontem é preciso começar a construçaõ desta história junto com o povo kalunga e é para lá que queremos ir.
 Já temos bastante coisas agilizada e hospedagem garantidas para nós e para quem acharmos interessante convidar. Vou enviar uma nova proposta para a prefeitura incluíndo novamente o Hot site, em uma proposta remodelada a partir do contato direto. Há ainda a pendencia do trasporte que estamos agindo para resolver. Vamos tentar um contato com a operadora Travessia, comandada pelo Ion David e que possui grande respeito e carinho dos Kalungas, já estive com ele de outras passagens por aqui e creio que ele vai entender bem esta janela de oportunidade que estamos criando.
Caros Malungos de Kalunga
16/04/2011

           Aqui chegamos finalmente, base 1 projeto Rota do Sal Kalunga. Cavalcante, Goiás.


                 Seguimos trabalhando agora em duas bases,  nos últimos detalhes da pré produção, e com ansiedade aguardamos a chegada da segunda leva da equipe. A dois dias estamos aqui, e as coisas começam a se arredondar. Chegamos e nos instalamos no bom e velho "Frequencia Modular" ou como é mais conhecido,  Hotel FM onde dona Francisca mais uma vez nos recebe  com carinho renovado. Ela vem cuidando também de nossa alimentação e podemos adiantar que o tempero dela deverá ser do agrado de todos.Aliás sobre o “Frequencia Modular” é necessário um capítulo a parte.
                                                                                                    Hoje conseguimos fazer bons avanços e creio que o problema de comunicação e internet está solucionado. Começamos logo ontem, junto com a Bell e a Aline Cantia, uma série de reuniões e já contamos com um mapa de personagens e as primeiras pistas que devemos seguir. Hoje consegui um mapa topográfico do território impresso. Encaminhnhamos também com o Secretário de Turismo, João Lino, que vem demonstrando  apoio ao projeto, e através da prefeitura municipal vem garantido nossa estada.
     Começamos também algumas reuniões executivas, e foi muito promissora o primeiro contato com a Mônica e fechamos nossa primeira parceria através do Portal Rota do Sal. Fomos muito bem recebidos pela proprietária  da Pousada Sol da Chapada, que se destaca pela sua arquitetura em adobe, localização, conforto e uma grande área arborizada, que garante uma temperatura muito agradável durante todo o dia. Agora temos internet e nossos problemas de comunicação estão a caminho de serem solucionados

8 comentários:

  1. Gente a ROTA tá linda....os frutos deste trabalho serão com certeza muito saborosos....
    Que Deus caminhe,navegue, voe com vcs...bjos
    catinha. Gustavo adorei a fotografia do reflexo na água.

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  2. Meus queridos viajantes, tudo q tenho visto e lido desta épica jornada tem me enchido os olhos e a alma!, meus pensamentos por vezes flutuam com vcs e em cada remada que é lançada ao rio vai com um pouco de cada um que esta navegando pela net e acompanhando vcs. Sigo de longe, porém de perto, mandando meus melhores pensamentos para vcs...
    Um grnde abraço a todos
    Thomaz Chausson

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  3. Valeu Catinha, valeu Tomere, suas palavras servem como força para cada remada. Palavras de um irmão que queria aqui comigo. Chega aí camarada....

    abraços
    André

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  4. Dedé, foi uma delícia ler suas palavras sobre a caminhada de vocês, sobre os encontros, o coração aberto e a imensidão que vai se abrindo aos viajantes. Isso leva a pensar na vida. Vontade de sair por aí... Tomara que vocês tenham muitos dias iluminados, vejam muitas luas lindas, passarinhos cantando, peixes coloridos, sorrisos verdadeiros. Nao são poucas as flores que vocês colheram e vão colher ao longo do caminho. Força e muita disposição para aproveitar tudo!

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  5. Valeu de mais Bianca, fico feliz de saber que vc está gostando e acompanhando nossa aventura por este brasilsão, seguimos na disposição e cometário como este só nos fortalecem. abraços dd

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  6. e as fotos de Cametá, no Pará onde estão ???

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  7. Estaõ chegando... nós chegamos... remamos e em Belém estamos... fotos de Cametá em breve...

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  8. Quem são esses loucos?
    _Pessoas inteligentes da cidade enfrentando adivercidades,coisas que pra uns (como eu),parece loucura,sem sentido algum,mas sendo que são loucos com objetivos para com o bem comum da nossa nação,e eu o que faço?.Nada ,se não acompanha-los,e agora admira-los,um dia quem sabe ser um louco com algum objetivo igual ou maior.Obrigado pelo exemplo meus grandes amigos!!!!!!!!!(benevides)

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